Queremos ser modernos de tamancos?
Eu não!
Tenho um amigo que costuma dizer "Em equipa vencedora não se mexe!"
Pois sim! E a que se deve este molho de bróculos?
Tudo vem a propósito (ou despropósito) de uma atitude pseudo-científica que tenho desenvolvido nos últimos tempos.
Quando me encontro entre amigos que, como eu, falam dos filhos, reparo no orgulho que muitos demonstram ao contar que:
"- O Zé, o meu Zé, com os seus 12 anos, no percentil 140 (medida que avalia o desenvolvimento físico dos rebentos; ainda não criaram o percentil mental), imaginem, namora com a filha do ...." segue-se um nome de valor reconhecido (quando se consegue que seja filho da .... nome de valor reconhecidíssimo é um duplo orgulho; se a este facto se juntar uma conta bancária de peso, então é o extâse).
Se alguém acompanha o entusiasmo do progenitor, então segue-se:
"- Namoram há 9 meses, já foi de férias com ela e os pais. É convidado para todas as festas de família e ... adoram-no! Este ano vamos todos juntos de férias."
Se mesmo assim ainda há quem demonstre interesse ou partilha de entusiasmo, segue-se o inevitável:
"- No mês passado zangaram-se. Eu falei com ele e aconselhei-o. (é suposto os outros interessados terem feito o mesmo, já que adoram o Zé). Ele foi trabalhar para um bar para lhe comprar um presente! Foi ele que quis! Imagina! Não é o máximo?"
No meu tempo, lá prás décadas de 70'/80's, este diálogo era ouvido à Ti Glória (a caseira lá da quinta, e desculpem a pesporrência, mas os meus avós tinham quinta e caseiros) quando lavava a roupa no tanque ou ao Ti Zé quando jogava à bisca-lambida na loja.
Falava assim a Ti Glória:
"- O Zé (leia-se sempre Jé) fala prá Alexandrina, filha do Tono Gato e da Rosa do Eido. Como são nossos compadres sei que a rapariga é boa pró meu Zé. É de trabalho e limpinha. O Zé, apesar dos 12 anos, já trabalha à jorna pra juntar dinheiro pra lhe dar um xale na festa de S. Sebastião. O Tone já lhe deu um dinheiro pra ela comprar uma arca pró enxoval" - e enquanto batia a roupa na pedra pra tirar o sabão, e perante o interesse das comadres, continuava - "Aqui há atrasado zangaram-se! E eu disse-lhe: Vê lá o que é que nos arranjas! Ela é boa moça e o compadre Tono é um contratador de gado de fama. Ó mais, fazem-nos a vindimada e a esfolhada!"
Já os meus pais entretinham-se a contar as asneiras que fazíamos: a cabeça rachada, a despensa assaltada, as barbas de milho fumadas, a chumbada nas galinhas, o estampanso na bicicleta, a meda escangalhada.
Orgulhavam-se de ter filhos com os joelhos esfolados e filhas (umas também esfoladas, que era o meu caso) ajuizadas, com casa montada prás Cindy's e Nancy's.
Brincava-se aos pais e às mães ou aos médicos com o mesmo entusiasmo com que se jogava ao mata ou aos polícias e ladrões.
Os Zés do meu tempo, e da mesma criação, não pensavam em constituir família, trabalhar, resolver problemas conjugais ou agradar aos sogros; não tinham compromissos de horas, não ansiavam por telefonemas, não iam buscar ninguém à saída da escola (não fossem os irmãos mais pequenos), não participavam em festas de família que não fosse a sua.
Os pais orgulhavam-se com as notas dos filhos, a destreza física ou a beleza, a graça, a travessura.
Penso que era assim na geração dos meus avós e talvez dos meus bisavós.
Agora, cada vez mais me sinto no tanque com a Ti Glória ou na loja com o Ti Zé.
Defeito meu, não me consigo habituar aos tamancos.
Como, em equipa vencedora não se mexe, eu na minha não vou mexer.
O meu Zé, aos 12 anos, brinca com os Legos, a Playstation, as cartas, joga futebol e tem uma namorada: a mãe.