sábado, 18 de junho de 2011

Quero ser perito!

Quero ser perito! perito? Sim, perito!
Mas perito de quê?
Esta não é, de modo algum, a pergunta pertinente. A verdadeira questão é: perito onde?
Ah! Não é óbvio? Em qualquer comarca, circulo judicial, tribunal ou qualquer outra divisão judicial estabelecida em portaria ou item semelhante publicado no "Diário da nossa República".
Após ter conseguido aparecer em listagem competente, na companhia de tão ilustres peritos ... mas peritos em quê, insistem vossas senhorias ... repito, isso não interessa nada e,se forem pacientes, já irão compreender o porquê.
Exercício proposto: um dia na pele de perito judicial nomeado
Sou convocada. Marcam-me o dia e a hora em que devo, como perito nomeado pelo tribunal, comparecer no "Domus Estulticia", algures.
Lá chegada, sou informada pelos colegas mais experientes que a reunião de peritos terá lugar no Café "O Manjerico da Elsa", mesmo em frente ao Domus.
Numa mesa redonda, já provida de umas quantas bicas, um carioca de limão para a perita mais idosa e um Compal de Pêra para o perito mais jovem, fazem-se as apresentações: à cabeceira (há sempre quem consiga, pela atitude, definir uma cabeceira numa mesa redonda) o perito da expropriante, uma PPP (Parceria dos parvos com os privados), jovem licenciado, avençado, bem barbeado e fatado (preto fato, preta camisa, preta meia, preto sapato, preta correia de relógio e um toque rebelde na fitinha cor de laranja no pulso). Em redor os peritos nomeados pelo ministério, funcionários públicos, explorados mas revoltados (a cara é a de um Gungunhana), com facies e indumentária do mais heterógénea (ganga, pólo, camisa aos quadrados, sapatilha, sapato de rede ortopédico para quem sofre de joanetes, catraia ao léu numa qualquer sandália), como convém a quem se apresenta perante um tribunal.
E mais ninguém ... ups ... quase esquecido, na copa (também se consegue ter numa mesa redonda pessoas que fazemos com que se sintam na copa à espera de ouvir tocar a campainha), o perito do expropriado, também um PPPP (Proprietário de uma porcaria pouco produtiva, vulgo terra).
O PPP abre o portfolio e retira a sua proposta de indemnização: tudo é exposto com clareza, acompanhado pela máquina de calcular gráfica em que tudo parte da formula "se X vale 100, Y vale 100 seguido de tecla M- (valor constante a retirar ao total)
Os peritos nomeados (na companhia dos quais eu me imagino no momento incluída, até porque tenho perfil para tal), retiram uns quantos guardanapos de papel do dispensador colocado no meio da mesa e começam a tomar notas, intercaladas de riscos, bonecos e o nome de uma loja onde vendem atoalhados a preços imbativeis (até calha bem já que para a semana vou lá peritar outra porra!). Essencial mesmo é colocar um ar superior com seriedade e ironia bem doseados para nos assemelharmos a um examinador indulgente de qualquer formando em vias de concluir o 12º ano nas Novas Oportunidades. De quando em vez acenar, murmurar, e intercalar "Claro...claro...óbvio...como é evidente..."
O PPPP bem que tenta apresentar os seus cálculos, contrapor que não se trata de uma bouça mas de um pomar, que não fica na freguesia de Moinas mas na freguesia de Moita, enfim ... é como estar na copa e ninguém tocar a sineta ... não o ouvem.
De repente, e porque está na hora do presigo, lança-se a questão que aguardava, latente, desde a carta convocatória chegada a casa: quanto é que vamos pedir de honorários? Rápida discussão, todos de acordo, marche.
Vou dispensá-los à descrição da audição dos peritos pelo meritíssimo (parece que vem de mérito) juiz; o Juiz é aquele que tem a capacidade de conhecer as leis e saber aplicá-las com sabedoria e equidade e o meritíssimo é aquele que tem o mérito de fazer com que os valores, apresentados pelo PPP e os peritos nomeados, pareçam tão correctos quanto possivel a quem baseia as suas conclusões em anotações guardanapadas e já algo esborratadas (logo havia de ter dado este bocado de guardanapo ao miúdo para ele limpar o ranho, bolas!).
Mérito de corrigir com paciência, mérito de fingir, com veracidade, acreditar que o perito conhece o assunto em questão, mérito de ventriloquia, colocando na boca do perito o que ele não disse, enfim ... meritíssimo!
No final, o perito PPP sai com a sensação de missão cumprida e comissão recebida, o perito PPPP sai com a sensação de que afinal é melhor umas notas no banco do que uma terra a produzir (o Tio Zé sempre pode dizer que contribuiu para o interesse público e candidatar-se a uma comenda dada pelo PR), e os nossos heróis?
Esses aborrecidos, escravizados, explorados, exaustos (amanhã lá vou para outra peritagem; tenho ainda que ver onde e o resto logo se vê!), usam os elementos da peritagem, registados com afinco nos guardanapuchos, para limpar a cagadela que o raio dos pássaros largaram no vidro do Yara.
Termino com uma frase que, tenho a certeza, sairá sempre da boca de um dos peritos nomeados pela nossa justiça:
"Ah! Já me esquecia. No fim-de-semana tenho que ir merendar com a patroa, a canalha e os cunhados à tal da freguesia de Moita. Sempre quero ver o que é que foi expropriado!"

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Pritzker ou a história de uma obra

Pois é: Pritzker. O prémio Nobel da arquitectura.
Acordei com a notícia que o arquitecto Souto Moura (é assim?) recebeu de Barac Obama (e assim?) o Pritzker, com especial referência ao Estádio AXA (vulgo do Braga).
Estando neste momento a pagar uma obra de reconstrução de uma mísera ruína, antiga casa de rendeiros, planeada por uma colega do Nobel, ocorreu-me o seguinte pensamente:
Qual o mérito de um prémio recebido por uma obra feita com o dinheiro de outros? E mais? Qual o valor de dar asas à imaginação quando não existem limites orçamentais? Se o arquitecto tivesse que realizar o mesmo estádio com metade do orçamento, o que teria feito? E todas as outras obras? Será que teria recebido o prémio na mesma?
Não pensem que fico descontente com o prémio recebido ou tenha qualquer critica a fazer ao premiado! Muito pelo contrário. Parabéns Sr. Arquitecto!
O que me intriga é esta capacidade de brilhar à custa do dinheiro dos outros. Se o dinheiro fosse seu, as soluções seriam as mesmas?
Agora que penso no caso, não posso deixar de descer á terra e olhar, com olhos de quem tem de pagar a conta das obras planeadas pela arquitecta.
Ups! Não foi bem isto que se pensou.
No início era o verbo, no sentido de palavra falada: "Estejam descansados! Vai-se fazer tudo e ainda sobra. O orçamento foi empolado a pensar nos precalços"
E depois fez-se:
No primeiro dia limpou-se, escavou-se (mais do que estava previsto ... erro no golpe de vista) e começou a surgir a obra; o dia caiu e tudo estava muito bem.
No segundo dia surgem as colunas para suporte da cobertura: pedra e madeira; o dia caiu e algumas coisas já não estavam tão bem.
No terceiro dia o telhado isolado como mandam as normas comunitárias, criadas pelos países nórdicos e adaptadas a um clima em tudo idêntico (pra quando a neve no Natal?) coberto por telhas antigas, velhinhas mas lindíssimas e eficientes; o dia caiu e tudo estava melhor.
No quarto dia as madeiras de tectos, roda tectos, roda pé e ... de tanto rodar, quando acabaram de assentar no chão, o carrossel já não ia ter parança; corta aqui, arrebica ali, grossura que é para não entortar (ou jogar como dizem os técnicos e têm razão pois isto das madeiras é como a roleta), pormenor antigo, pormenor contrastante; o dia caiu e já não sabíamos bem como é que estávamos.
No quinto dia os arrebiques onde se misturam técnicas antigas, óleos e emassados, com ferros, pladur ou placot (tenho a certeza que não é assim?), portas embutidas deslizantes, azulejos de arquitecto (são os pequeninos que é para ver a obra crescer lentamente), janelas de vidrinhos também pequeninos (pra mais tarde limpar) e uma piscina que surge onde o homem (neste caso eu) quis e como quis; o dia caiu e começávamos a vislumbrar ... a queda ... na piscina
No sexto dia os pintores entraram, os movimentos cromáticos explodem, os pinceis a utilizar iam desde o rolo e trincha ao pincel de maquilhar; o dia caiu e o quadro estava quase pronto ... que pincel!
Ao sétimo dia o homem olhou, olhou, e percebeu ... tinha um Monet pendurado na árvore do paraíso, estava nu. Correu a esconder-se quando ouviu uma voz vinda de uma caixa: "Lamentamos, mas o saldo da sua conta não lhe permite realizar qualquer operação"
O arquitecto recebe o Pritzker! O homem recebe uma ordem: Vai, trabalha, trabalha, trabalha, cresce, cresce, cresce, multiplica, multiplica, multiplica, paga, paga, paga e depois ... tenta o económico da Servilusa.