segunda-feira, 16 de julho de 2012

Ser a Ti Glória e o Ti Zé: o sonho de muitos progenitores!

Queremos ser modernos de tamancos?
Eu não!
Tenho um amigo que costuma dizer "Em equipa vencedora não se mexe!"
Pois sim! E a que se deve este molho de bróculos?
Tudo vem a propósito (ou despropósito) de uma atitude pseudo-científica que tenho desenvolvido nos últimos tempos.
Quando me encontro entre amigos que, como eu, falam dos filhos, reparo no orgulho que muitos demonstram ao contar que:
"- O Zé, o meu Zé, com os seus 12 anos, no percentil 140 (medida que avalia o desenvolvimento físico dos rebentos; ainda não criaram o percentil mental), imaginem, namora com a filha do ...." segue-se um nome de valor reconhecido (quando se consegue que seja filho da .... nome de valor reconhecidíssimo é um duplo orgulho; se a este facto se juntar uma conta bancária de peso, então é o extâse).
Se alguém acompanha o entusiasmo do progenitor, então segue-se:
"- Namoram há 9 meses, já foi de férias com ela e os pais. É convidado para todas as festas de família e ... adoram-no! Este ano vamos todos juntos de férias."
Se mesmo assim ainda há quem demonstre interesse ou partilha de entusiasmo, segue-se o inevitável:
"- No mês passado zangaram-se. Eu falei com ele e aconselhei-o. (é suposto os outros interessados terem feito o mesmo, já que adoram o Zé). Ele foi trabalhar para um bar para lhe comprar um presente! Foi ele que quis! Imagina! Não é o máximo?"
No meu tempo, lá prás décadas de 70'/80's, este diálogo era ouvido à Ti Glória (a caseira lá da quinta, e desculpem a pesporrência, mas os meus avós tinham quinta e caseiros) quando lavava a roupa no tanque ou ao Ti Zé quando jogava à bisca-lambida na loja.
Falava assim a Ti Glória:
"- O Zé (leia-se sempre Jé) fala prá Alexandrina, filha do Tono Gato e da Rosa do Eido. Como são nossos compadres sei que a rapariga é boa pró meu Zé. É de trabalho e limpinha. O Zé, apesar dos 12 anos, já trabalha à jorna pra juntar dinheiro pra lhe dar um xale na festa de S. Sebastião. O Tone já lhe deu um dinheiro pra ela comprar uma arca pró enxoval" - e enquanto batia a roupa na pedra pra tirar o sabão, e perante o interesse das comadres, continuava - "Aqui há atrasado zangaram-se! E eu disse-lhe: Vê lá o que é que nos arranjas! Ela é boa moça e o compadre Tono é um contratador de gado de fama. Ó mais, fazem-nos a vindimada e a esfolhada!"
Já os meus pais entretinham-se a contar as asneiras que fazíamos: a cabeça rachada, a despensa assaltada, as barbas de milho fumadas, a chumbada nas galinhas, o estampanso na bicicleta, a meda escangalhada.
Orgulhavam-se de ter filhos com os joelhos esfolados e filhas (umas também esfoladas, que era o meu caso) ajuizadas, com casa montada prás Cindy's e Nancy's.
Brincava-se aos pais e às mães ou aos médicos com o mesmo entusiasmo com que se jogava ao mata ou aos polícias e ladrões.
Os Zés do meu tempo, e da mesma criação, não pensavam em constituir família, trabalhar, resolver problemas conjugais ou agradar aos sogros; não tinham compromissos de horas, não ansiavam por telefonemas, não iam buscar ninguém à saída da escola (não fossem os irmãos mais pequenos), não participavam em festas de família que não fosse a sua.
Os pais orgulhavam-se com as notas dos filhos, a destreza física ou a beleza, a graça, a travessura.
Penso que era assim na geração dos meus avós e talvez dos meus bisavós.
Agora, cada vez mais me sinto no tanque com a Ti Glória ou na loja com o Ti Zé.
Defeito meu, não me consigo habituar aos tamancos.
Como, em equipa vencedora não se mexe, eu na minha não vou mexer.
O meu Zé, aos 12 anos, brinca com os Legos, a Playstation, as cartas, joga futebol e tem uma namorada: a mãe.

sábado, 18 de junho de 2011

Quero ser perito!

Quero ser perito! perito? Sim, perito!
Mas perito de quê?
Esta não é, de modo algum, a pergunta pertinente. A verdadeira questão é: perito onde?
Ah! Não é óbvio? Em qualquer comarca, circulo judicial, tribunal ou qualquer outra divisão judicial estabelecida em portaria ou item semelhante publicado no "Diário da nossa República".
Após ter conseguido aparecer em listagem competente, na companhia de tão ilustres peritos ... mas peritos em quê, insistem vossas senhorias ... repito, isso não interessa nada e,se forem pacientes, já irão compreender o porquê.
Exercício proposto: um dia na pele de perito judicial nomeado
Sou convocada. Marcam-me o dia e a hora em que devo, como perito nomeado pelo tribunal, comparecer no "Domus Estulticia", algures.
Lá chegada, sou informada pelos colegas mais experientes que a reunião de peritos terá lugar no Café "O Manjerico da Elsa", mesmo em frente ao Domus.
Numa mesa redonda, já provida de umas quantas bicas, um carioca de limão para a perita mais idosa e um Compal de Pêra para o perito mais jovem, fazem-se as apresentações: à cabeceira (há sempre quem consiga, pela atitude, definir uma cabeceira numa mesa redonda) o perito da expropriante, uma PPP (Parceria dos parvos com os privados), jovem licenciado, avençado, bem barbeado e fatado (preto fato, preta camisa, preta meia, preto sapato, preta correia de relógio e um toque rebelde na fitinha cor de laranja no pulso). Em redor os peritos nomeados pelo ministério, funcionários públicos, explorados mas revoltados (a cara é a de um Gungunhana), com facies e indumentária do mais heterógénea (ganga, pólo, camisa aos quadrados, sapatilha, sapato de rede ortopédico para quem sofre de joanetes, catraia ao léu numa qualquer sandália), como convém a quem se apresenta perante um tribunal.
E mais ninguém ... ups ... quase esquecido, na copa (também se consegue ter numa mesa redonda pessoas que fazemos com que se sintam na copa à espera de ouvir tocar a campainha), o perito do expropriado, também um PPPP (Proprietário de uma porcaria pouco produtiva, vulgo terra).
O PPP abre o portfolio e retira a sua proposta de indemnização: tudo é exposto com clareza, acompanhado pela máquina de calcular gráfica em que tudo parte da formula "se X vale 100, Y vale 100 seguido de tecla M- (valor constante a retirar ao total)
Os peritos nomeados (na companhia dos quais eu me imagino no momento incluída, até porque tenho perfil para tal), retiram uns quantos guardanapos de papel do dispensador colocado no meio da mesa e começam a tomar notas, intercaladas de riscos, bonecos e o nome de uma loja onde vendem atoalhados a preços imbativeis (até calha bem já que para a semana vou lá peritar outra porra!). Essencial mesmo é colocar um ar superior com seriedade e ironia bem doseados para nos assemelharmos a um examinador indulgente de qualquer formando em vias de concluir o 12º ano nas Novas Oportunidades. De quando em vez acenar, murmurar, e intercalar "Claro...claro...óbvio...como é evidente..."
O PPPP bem que tenta apresentar os seus cálculos, contrapor que não se trata de uma bouça mas de um pomar, que não fica na freguesia de Moinas mas na freguesia de Moita, enfim ... é como estar na copa e ninguém tocar a sineta ... não o ouvem.
De repente, e porque está na hora do presigo, lança-se a questão que aguardava, latente, desde a carta convocatória chegada a casa: quanto é que vamos pedir de honorários? Rápida discussão, todos de acordo, marche.
Vou dispensá-los à descrição da audição dos peritos pelo meritíssimo (parece que vem de mérito) juiz; o Juiz é aquele que tem a capacidade de conhecer as leis e saber aplicá-las com sabedoria e equidade e o meritíssimo é aquele que tem o mérito de fazer com que os valores, apresentados pelo PPP e os peritos nomeados, pareçam tão correctos quanto possivel a quem baseia as suas conclusões em anotações guardanapadas e já algo esborratadas (logo havia de ter dado este bocado de guardanapo ao miúdo para ele limpar o ranho, bolas!).
Mérito de corrigir com paciência, mérito de fingir, com veracidade, acreditar que o perito conhece o assunto em questão, mérito de ventriloquia, colocando na boca do perito o que ele não disse, enfim ... meritíssimo!
No final, o perito PPP sai com a sensação de missão cumprida e comissão recebida, o perito PPPP sai com a sensação de que afinal é melhor umas notas no banco do que uma terra a produzir (o Tio Zé sempre pode dizer que contribuiu para o interesse público e candidatar-se a uma comenda dada pelo PR), e os nossos heróis?
Esses aborrecidos, escravizados, explorados, exaustos (amanhã lá vou para outra peritagem; tenho ainda que ver onde e o resto logo se vê!), usam os elementos da peritagem, registados com afinco nos guardanapuchos, para limpar a cagadela que o raio dos pássaros largaram no vidro do Yara.
Termino com uma frase que, tenho a certeza, sairá sempre da boca de um dos peritos nomeados pela nossa justiça:
"Ah! Já me esquecia. No fim-de-semana tenho que ir merendar com a patroa, a canalha e os cunhados à tal da freguesia de Moita. Sempre quero ver o que é que foi expropriado!"

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Pritzker ou a história de uma obra

Pois é: Pritzker. O prémio Nobel da arquitectura.
Acordei com a notícia que o arquitecto Souto Moura (é assim?) recebeu de Barac Obama (e assim?) o Pritzker, com especial referência ao Estádio AXA (vulgo do Braga).
Estando neste momento a pagar uma obra de reconstrução de uma mísera ruína, antiga casa de rendeiros, planeada por uma colega do Nobel, ocorreu-me o seguinte pensamente:
Qual o mérito de um prémio recebido por uma obra feita com o dinheiro de outros? E mais? Qual o valor de dar asas à imaginação quando não existem limites orçamentais? Se o arquitecto tivesse que realizar o mesmo estádio com metade do orçamento, o que teria feito? E todas as outras obras? Será que teria recebido o prémio na mesma?
Não pensem que fico descontente com o prémio recebido ou tenha qualquer critica a fazer ao premiado! Muito pelo contrário. Parabéns Sr. Arquitecto!
O que me intriga é esta capacidade de brilhar à custa do dinheiro dos outros. Se o dinheiro fosse seu, as soluções seriam as mesmas?
Agora que penso no caso, não posso deixar de descer á terra e olhar, com olhos de quem tem de pagar a conta das obras planeadas pela arquitecta.
Ups! Não foi bem isto que se pensou.
No início era o verbo, no sentido de palavra falada: "Estejam descansados! Vai-se fazer tudo e ainda sobra. O orçamento foi empolado a pensar nos precalços"
E depois fez-se:
No primeiro dia limpou-se, escavou-se (mais do que estava previsto ... erro no golpe de vista) e começou a surgir a obra; o dia caiu e tudo estava muito bem.
No segundo dia surgem as colunas para suporte da cobertura: pedra e madeira; o dia caiu e algumas coisas já não estavam tão bem.
No terceiro dia o telhado isolado como mandam as normas comunitárias, criadas pelos países nórdicos e adaptadas a um clima em tudo idêntico (pra quando a neve no Natal?) coberto por telhas antigas, velhinhas mas lindíssimas e eficientes; o dia caiu e tudo estava melhor.
No quarto dia as madeiras de tectos, roda tectos, roda pé e ... de tanto rodar, quando acabaram de assentar no chão, o carrossel já não ia ter parança; corta aqui, arrebica ali, grossura que é para não entortar (ou jogar como dizem os técnicos e têm razão pois isto das madeiras é como a roleta), pormenor antigo, pormenor contrastante; o dia caiu e já não sabíamos bem como é que estávamos.
No quinto dia os arrebiques onde se misturam técnicas antigas, óleos e emassados, com ferros, pladur ou placot (tenho a certeza que não é assim?), portas embutidas deslizantes, azulejos de arquitecto (são os pequeninos que é para ver a obra crescer lentamente), janelas de vidrinhos também pequeninos (pra mais tarde limpar) e uma piscina que surge onde o homem (neste caso eu) quis e como quis; o dia caiu e começávamos a vislumbrar ... a queda ... na piscina
No sexto dia os pintores entraram, os movimentos cromáticos explodem, os pinceis a utilizar iam desde o rolo e trincha ao pincel de maquilhar; o dia caiu e o quadro estava quase pronto ... que pincel!
Ao sétimo dia o homem olhou, olhou, e percebeu ... tinha um Monet pendurado na árvore do paraíso, estava nu. Correu a esconder-se quando ouviu uma voz vinda de uma caixa: "Lamentamos, mas o saldo da sua conta não lhe permite realizar qualquer operação"
O arquitecto recebe o Pritzker! O homem recebe uma ordem: Vai, trabalha, trabalha, trabalha, cresce, cresce, cresce, multiplica, multiplica, multiplica, paga, paga, paga e depois ... tenta o económico da Servilusa.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Notas soltas - sobre as "Bem-Aventuranças"

Ler "As Bem-Aventuranças" - Mateus cap. 5 e Lucas cap. 6

«A pior das solidões, o mais negro dos fados, não é o poder sentir com mais ou menos verdade que ninguém gosta de nós; é, pelo contrário, sentirmos que não somos capazes de gostar de ninguém. Aqui sim, tudo se joga. Aqui, sim, importa tocar e dizer bem alto que o maior pecado que nos atormenta, aliás, o único pecado que somos capazes de cometer, é o da negação do amor ... é triste chorar porque se ama, mas é pecado, e pecado grave, não amar para não chorar.»

«O que temos diante de nós é realmente a Carta Constitucional do cristianismo, e o texto mais revolucionário da história da humanidade.
-Sofre? É violado nos seus direitos? Passa fome? Não tem o mínimo com que viver com dignidade? Sente-se só e abandonado?
- Tenha paciência porque essa é a vontade de Deus ... e na eternidade vai ser muito feliz (!)
É este o adiamento pecaminoso, opiáceo, neurótico e estúpido da esperança.
Uma das minhas revoltas contra este tipo de misticismo que jamais esquecerei, aconteceu à cabeceira de uma doente terminal de cancro. O padre que lhe falava disse a certa altura: "Tenha paciência que essa é a vontade de Deus..." Brilhante!»

«Uma das maleitas que aflige e muito a nossa reflexão tem a ver com o facto de estarmos mais ou menos convencidos que a nossa eternidade começa no momento da nossa morte... Outro erro crasso... O facto é que a nossa eternidade tem de começar no momento da nossa concepção.
Então, se assim é, este tempo, este espaço e esta terra são já tempo, espaço e terra de eternidade; então, se assim é, o momento da morte transforma-se no momento mais alto da vida; então, se assim é, o momento da morte é o momento do encontro definitivo com Deus, logo, o momento da morte é o momento da ressurreição!
Creio que até hoje só Francisco de Assis foi capaz de entender tudo isto até às últimas consequências e, por isso, foi capaz de chamar "irmã" à morte.
Perdoem-me a possivel vulgaridade das palavras, mas é também ao nível da linguagem que gira à volta das formas celebrativas do mistério mais profundo da fé cristã que importa ter a coragem de mudar os termos usados. São ainda muitas - demasiadas - as circunstâncias em que ouvimos falar de "celebrar missas pelos mortos"! Como é possivel?
É que se realmente Cristo ressuscitou, na expressão "celebrar missas pelos mortos", temos nada menos que dois erros grosseiros. Em primeiro lugar, em Cristo ressuscitado não há mortos mas vivos... em segundo, não temos o direito de celebrar missas pelos mortos, mas de celebrar a Eucaristia, a acção de graças, com aqueles que connosco continuam a ser intimidade com Deus de uma forma mais perfeita.»

«Bem-Aventurados os pobres ... são proclamados felizes, não os que não têm o mínimo com que viver com dignidade, mas sim os que reconhecem que tudo o que têm provém de Deus e, por isso, se abrem incondicionalmente aos outros. Esses que colocam todas as suas "riquezas", sejam elas de que tipo forem, ao serviço dos outros. "Caim, que fizeste de teu irmão? -Eu não sou responsável pelo meu irmão!" Quanta actualidade numa frase com 2500 anos de história...
Eu posso ser muito mais rico ao possuir um carro a desfazer-se mas que eu não coloco ao serviço de ninguém, do que ao possuir um carro de último modelo que coloco ao serviço de todos e, ainda por cima, fazendo eu de condutor...»

«A este propósito importa ouvir o Prof. Agostinho da Silva: "Eu não tenho uma religião; há uma religião que me tem a mim"»

«Bem-Aventurados os que choram ... porque quem não chora não ama. Estando um dia Madre Teresa a limpar as feridas de um leproso moribundo, diz-lhe o jornalista que a acompanhava: "Eu não era capaz de fazer isto nem que me dessem todo o dinheiro do mundo." Madre Teresa levantou por momentos os olhos do doente que estava a tratar, olhou para o jornalista e respondeu: "Olhe que eu também não"»

«Bem-Aventurados os mansos ... ser manso é, em última análise, alguém em equilíbrio consigo, com os outros e com Deus. Confúcio dizia que "por trás do sorriso estão os dentes"... Nunca sentiu que lhe sorriam com vontade de morder? Não chega só ser "simpático" (sun+pathos = sofrer ao lado de alguém, com alguém...); somos empurrados à empatia (en+pathos = sofrer dentro, fazer minha a luta do outro)
Ouçamos António Aleixo: "O mundo só pode ser ,/melhor do que até aqui,/quando consigas fazer,/mais p'los outros que por ti"»

Excertos tirados do livro "Roteiro de Leitura da Bíblia" de Frei Fernando Ventura

sábado, 12 de março de 2011

Estou a ler um livro

Estou a ler um livro com o título "Roteiro de leitura da Bíblia".
O primeiro capítulo tem um título fantástico: A Bíblia nasceu da vida ... e não resisto a partilhar um pouquinho:
"Neste livro proponho falar-lhe de outro Livro que é, acima de tudo, uma aventura de vida e de intimidade ...Uma biblioteca de 73 livros, cada um com o seu estilo e forma própria de expressão, que constitui uma aventura que vê envolvida a humanidade na busca de si própria, dos seus porquês e para quês, e da própria intimidade de Deus ... que se faz proposta de relação, que espera uma resposta de adesão ou de recusa.
Só não pode haver lugar para a indiferença. ... atrevo-me a dizer como ele (D. António Ferreira Gomes): «Tenho muita fé nos ateus; se forem honestos, chegarão a Deus. Um cristão convencido é que não tem conversão possivel»
Num tempo em que abundam as opiniões mas faltam as ideias ...a vontade de pensar temas tão sérios como o do sentido da vida e da História, do tempo e da eternidade, de Deus e de nós.
Mateus revela-nos o segredo: «Todo aquele que escuta as minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha». Escutar e pôr em prática; não se recusar nunca a pensar pela própria cabeça ... correr o risco de ser livre."

Portugal e os portugueses por Eça de Queirós

Estou a ler as Farpas (escritas a partir de 1871 por Eça e Ramalho Ortigão) e não resisto a deixar aqui algumas considerações que não podem ser, pelo menos para mim, mais actuais e justas.

A propósito do encerramento das "Conferências do Casino", diz:
«... lembrem-se antes de tudo o que o país necessita é - força para o seu carácter, ciência para o seu espírito, justiça para a sua consciência! Falai-lhe das questões económicas, do salário, do trabalho, da família, da sanção moral, da educação ... A política deixai-a sempre ficar consigo mesma. O nosso grande erro em Portugal tem sido querer principiar constantemente as revoluções pela política, fazer dela uma causa ou um meio, quando logicamente e seguramente ela não pode nem deve ser nunca senão uma consequência ou um resultado»

E, já agora, a propósito dos programas, manuais escolares, exames nacionais e dos "iluminados" do Ministério da Educação que os aprovam, leia-se:
«... lancemos os olhos ao livro elementar destinado ao ensino agrícola nas escolas nacionais. O autor do compêndio que temos aberto a nossos olhos chama-se o sr. António Francisco Moreira de Sá*.Vamos ler.
Pergunta. A que se chama ferramenta de lavoura?
Resposta. A um instrumento simples, portátil, o qual posto que conste de diferentes partes, parece todavia feito de uma só peça.
P. A que se chama máquina de lavoura?
R. A máquina é um instrumento complicado e composto de várias peças, que se podem desarmar.
P. O que é arado?
R. É o que não tem jogo dianteiro.
P. Que se pode dizer do centeio?
R. Depois do trigo é dos mais úteis cereais.
P. Que se pode dizer do arroz?
R. O arroz é originário da Índia onde eles fazem do arroz o mesmo uso que nós do pão.
P. Que há a respeito do feijão?
R. O feijão divide-se em várias qualidades.
P. Que é necessário para haver bom esterco?
R. Sabê-lo produzir, conservar e empregar.»

Maravilhoso!!! Agora, atentem na continuação:
«O sr. Moreira de Sá, cujo livro tremendo e profundo como o olhar de um idiota, nós sentimos não poder reproduzir integralmente nestas páginas, prova nesta sua obra imortal que o autor conhece assustadoramente o grande mistério de produzir, conservar e empregar o esterco! A crítica extra-oficial respeita e admira neste livro todo uma leiva ubérrima de óptimos farináceos, e a única coisa que nos parece haver a respeito do feijão - além das qualidades em que ele se divide - é que este legume certamente se regalaria muito plantado neste livro.
As Farpas, em nome da agricultura portuguesa, folgam de ter esta ocasião de animar o sr. António Francisco Moreira de Sá e a crítica superior e oficial da instrução pública a que continuem a enriquecer-nos - produzindo.»

*(1825-1880) Professor de instrução primária, autor de muitos compêndios sobre variadas matérias e almanaques.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Acabei de ler um livro

Acabei de ler um livro: "The third Reich at war" de Richard J. Evans
Ui que seca! ... outra vez os maus contra os bons! .... já passou! ... o que é que interessa?
Pois este é um tema que sempre me interessou. Por vezes pergunto-me o porquê?
Eis a resposta, muito clara, dada pelo autor deste livro
"Não só o conhecimento histórico do III Reich, mas também a consciência pública do que ele fez, aumentou com o distânciamento no tempo; o debate sobre ele aumentou em vez de diminuir.
Pouco após o fim da II Guerra Mundial, o historiador inglês Alan Bullock terminou a sua monumental biografia de Hitler citando as palavras inscritas no túmulo do arquitecto da Catedral de S. Paulo em Londres, Sir Christopher Wren: "Si monumentum requiris, circumspice" - Se necessita de um memorial, olhe em volta".
Em 1952, quando este livro foi publicado, a destruição produzida pela guerra era ainda visivel um pouco por toda a Europa. Passado mais de meio século, este já não é o caso. Os locais bombardeados já foram limpos, os campos de batalha aplanados, as divisões curadas, a paz e a prosperidade restauradas na Europa. A maioria daqueles que viveram durante o III Reich e lutaram nas suas guerras já não se encontram entre nós.
Dentro de poucas décadas já não existirá ninguém testemunha directa do que se passou. E no entanto, o seu legado está ainda bem presente em múltiplos aspectos.
A história não se repete: nunca haverá um IV Reich. O neo-nazismo ainda tem seguidores, mas em lado algum mostrou sinais de vir a ter um significado político real. O legado do III Reich é muito mais alargado. Extende-se muito para além da Alemanha ou da Europa. O III Reich levanta da forma mais premente as possibilidades e as consequências do ódio humano e do poder de destruição que existe, mesmo se de uma forma mais diminuta, dentro de cada um de nós.
Demonstra com uma nitidez terrivel as consequências em potência do racismo, militarismo e autoritarismo. Mostra-nos o que pode acontecer quando algumas pessoas são tratadas como "menos humanas" que outras. Coloca, da forma mais extrema, o dilema moral que todos nós temos que enfrentar, numa qualquer altura da vida, de nos conformarmos ou de resistirmos, de acção ou inacção nas situações particulares com que somos confrontados.
Este é o motivo pelo qual o III Reich não desaparecerá mas continuará a chamar a atenção de gente que pensa, por todo o mundo, muito depois de ter passado à história."
Conformarmo-nos ou resistirmos, lutar ou baixar os braços perante aquilo que pensamos errado?
Eis a questão.