sábado, 12 de março de 2011

Portugal e os portugueses por Eça de Queirós

Estou a ler as Farpas (escritas a partir de 1871 por Eça e Ramalho Ortigão) e não resisto a deixar aqui algumas considerações que não podem ser, pelo menos para mim, mais actuais e justas.

A propósito do encerramento das "Conferências do Casino", diz:
«... lembrem-se antes de tudo o que o país necessita é - força para o seu carácter, ciência para o seu espírito, justiça para a sua consciência! Falai-lhe das questões económicas, do salário, do trabalho, da família, da sanção moral, da educação ... A política deixai-a sempre ficar consigo mesma. O nosso grande erro em Portugal tem sido querer principiar constantemente as revoluções pela política, fazer dela uma causa ou um meio, quando logicamente e seguramente ela não pode nem deve ser nunca senão uma consequência ou um resultado»

E, já agora, a propósito dos programas, manuais escolares, exames nacionais e dos "iluminados" do Ministério da Educação que os aprovam, leia-se:
«... lancemos os olhos ao livro elementar destinado ao ensino agrícola nas escolas nacionais. O autor do compêndio que temos aberto a nossos olhos chama-se o sr. António Francisco Moreira de Sá*.Vamos ler.
Pergunta. A que se chama ferramenta de lavoura?
Resposta. A um instrumento simples, portátil, o qual posto que conste de diferentes partes, parece todavia feito de uma só peça.
P. A que se chama máquina de lavoura?
R. A máquina é um instrumento complicado e composto de várias peças, que se podem desarmar.
P. O que é arado?
R. É o que não tem jogo dianteiro.
P. Que se pode dizer do centeio?
R. Depois do trigo é dos mais úteis cereais.
P. Que se pode dizer do arroz?
R. O arroz é originário da Índia onde eles fazem do arroz o mesmo uso que nós do pão.
P. Que há a respeito do feijão?
R. O feijão divide-se em várias qualidades.
P. Que é necessário para haver bom esterco?
R. Sabê-lo produzir, conservar e empregar.»

Maravilhoso!!! Agora, atentem na continuação:
«O sr. Moreira de Sá, cujo livro tremendo e profundo como o olhar de um idiota, nós sentimos não poder reproduzir integralmente nestas páginas, prova nesta sua obra imortal que o autor conhece assustadoramente o grande mistério de produzir, conservar e empregar o esterco! A crítica extra-oficial respeita e admira neste livro todo uma leiva ubérrima de óptimos farináceos, e a única coisa que nos parece haver a respeito do feijão - além das qualidades em que ele se divide - é que este legume certamente se regalaria muito plantado neste livro.
As Farpas, em nome da agricultura portuguesa, folgam de ter esta ocasião de animar o sr. António Francisco Moreira de Sá e a crítica superior e oficial da instrução pública a que continuem a enriquecer-nos - produzindo.»

*(1825-1880) Professor de instrução primária, autor de muitos compêndios sobre variadas matérias e almanaques.

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